quarta-feira, 16 de abril de 2008

Erro estratégico?

Em maio, as Forças Armadas iniciam a troca de contingente da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (MINUSTAH). Há tempos se discute a permanência armada do Brasil na região e já não são poucos os militares que, em conversas reservadas, avaliam que está mais do que na hora de sair. Interesses políticos à parte, o Exército Brasileiro caminha para uma ação complicada: o 9º contingente de Força de Paz é da Amazônia.

A maior motivação para o rodízio, que já enviou soldados de todas as outras regiões do país ao Caribe, é expor os militares a um conflito real, num cenário bem parecido com algumas regiões brasileiras. Muitos questionam por que o exército não toma conta dos morros cariocas. Os motivos são vários e vão além de questões legais. Quem acha que atuar lá e aqui é a mesma coisa, provavelmente, nunca refletiu sobre o que é viver numa favela, num mundo em que as leis são bem diferentes das que conhecemos e isso sem considerar que, no Brasil, não se cumprem nem as leis que todos conhecem.

No Haiti, os brasileiros estão respaldados por regras de engajamento que os permite responder, inclusive com força letal, contra ato hostil ou intenção hostil. E depois voltam para a base militar, onde ficam isolados e protegidos. No Rio, além de não haver tais regras de engajamento – questionáveis ou não – quando termina o combate, o soldado volta pra casa, que fica exatamente na zona de confronto. No Haiti, o tráfico de drogas não é disputado com a destreza carioca. O país é ponto de parada para a distribuição internacional.

O Rio, entretanto, é apenas uma parte desta história e não é um problema isolado do Brasil. O que parecia, até hoje, isolado é o grande problema no Norte, tão grande quanto a floresta amazônica. A região que muitos brasileiros desconhecem é cobiçada por milhares de estrangeiros. Todo mundo quer estar na Amazônia para turismo, estudo, exploração de madeira, minérios e muitos outros recursos naturais. Sem contar a água, que segundo previsões de especialistas, em algumas décadas, vai valer bem mais do que o petróleo.

A Amazônia brasileira ferve. Arrozeiros, índios, não-índios, demarcações de terra, MST, Movimento dos Atingidos por Barragens, ONG – nem sempre honestas e muitas vezes financiadas por verbas do contribuinte, grilagem, seringueiros, tráfico de animais silvestres, desmatamento e uma fronteira de 11.500 km de mata, com países nada tranqüilos.

Será que os militares da Amazônia precisam de mais missões reais? Em termos de terreno, o Haiti não tem nenhuma relação com a nossa floresta. A deles já foi devastada há tempos. A única semelhança, talvez, seja a ausência do Estado, que lá está em formação e, aqui, foi muito mal formado.

O que nos resta é torcer para que o novo surto de violência haitiano não resulte num desgaste ainda maior para o Brasil. E que a saída temporária de 1200 homens da região mais conturbada do país, num momento tão delicado, não represente um grande erro estratégico.

3 comentários:

Leonardo Araujo disse...

Parabéns pelo artigo e blog, Damaris! São assuntos pertinentes e oportunos que, com isenção e clareza, trazes à baila para reflexão pública!
Um abraço!
Araujo

Unknown disse...

Realmente, é um assunto que merece atenção especial pelas Forças Armadas. Porém, acredito que "eles" não deixariam lacunas no contingente amazônico; visto que a segurança daquela área é um tema que vem crescendo a cada dia.
Abraço,
Adriano

Unknown disse...

Embora exista um Exército lá presente, também há que se manifestar sobre algo além da decisão por existir tropas e comando brasileiros. Esta foi uma opção, sobretudo, política - e que certamente trouxe benefícios para a instituição e soldados que lá estão. A discussão da participação brasileira na MINUSTAH está muito além da presença militar. Antes de mais nada é uma discussão sobre a política externa brasileira e é sobre isso que a sociedade deve refletir. Estão de acordo? Não estão? Como inserir tais temáticas para as discussões em período eleitoral? Bem, acredito que a Damaris faz sua parte abrindo esse fórum de debates sobre essa temática e espero ver mais espaços abertos para discussões desse tipo.

Vanessa Braga Matijascic