terça-feira, 28 de outubro de 2008

Expedição Haiti - Olhares das crianças

Uma leitora do Expedição Haiti enviou duas perguntas por e-mail. Como o questionamento é recorrente, resolvi publicá-lo.

"Entre todas as coisas que marcou você nas suas viagens para lá, li a sua descrição sobre as crianças.Você poderia por gentileza descrever o olhar delas?"

O olhar daquelas crianças... tão difícil de dizer. Pensar nisso gera tantos sentimentos... orgulho, dor, felicidade, a sensação de mãos atadas. Depende da região em que você vai e do que está acontecendo na hora. Os olhares misturam aquela vontade sapeca de fazer arte, a curiosidade sobre quem está diante delas e o que carrega, se elas podem tocar. São olhares famintos... fome de comida, de atenção, de cuidados básicos. As crianças que correm pelas ruas são vidradas em câmeras. Não podem ver uma máquina que disputam nos empurrões a oportunidade de serem fotografadas. E isso lhes deixa com rostinhos e olhares tão contentes que parecem estar vivendo o dia mais feliz da vida delas. Talvez porque, inconscientemente ou não, elas sejam obrigadas a viver cada dia como se fosse o último, o que de fato pode ser. Já as desnutridas, nos colos das mães por falta de forças para andar, têm olhar parado em algum lugar da História, talvez no ponto em que lhe tomaram, violentamente, a inocência. O olhar definha como o pequeno corpo, que apela por ajuda, mas parece esperar apenas a morte.

"Elas têm a idéia do por que o Brasil está lá?"

Elas aprenderam a conviver com os soldados, não apenas brasileiros, mas não creio que saibam o porquê da presença das tropas. Nem a maioria dos adultos deve compreender o profundo significado de uma intervenção internacional. O dia-a-dia lhes dá uma idéia sobre um resultado x, que vem acompanhada de expectativas, frustradas ou não. Mas apenas parte da elite compreende a seriedade do jogo de poder internacional que isso envolve. Lembre-se, porém, de que a maioria dos brasileiros nem sabe que nossas tropas estão lá, quanto mais o que isso representa para as relações internacionais.

Espero que essa leitora, uma jovem estudante de Relações Internacionais, tenha a oportunidade de ir ao Haiti. É uma viagem que muda a vida de qualquer pessoa. Um turbilhão de sentimentos que jamais será esquecido, acompanhado de histórias impossíveis de serem contadas em apenas uma vida. Estou certa de que será uma profissional diferenciada só pelo fato de ter escolhido, para seu trabalho de conclusão de curso, um país fora do eixo de dominação.

A História é contada por vencedores e, por isso, ao falar no Haiti, é impossível não pensar na vitória sobre o exército napoleônico. Seguramente, é o feito de maior orgulho daquele povo, que paga tão caro por tamanha ousadia. Hoje, os haitianos são tratados como perdedores, isolados do mundo, fadados ao sofrimento. Para mim, os países ricos têm é medo da reação de tão bravos e fortes guerreiros.