domingo, 23 de março de 2008

Severino - O homem da borracha

O norte deste Brasil é um país à parte para uma paulistana. São selvas absolutamente distintas, mas igualmente instigantes, cheias de mistérios. A luta diária marca o passo do paulista e a remada do amazonense. De carona numa “voadeira”, barco utilizado pelo Exército Brasileiro, pude conhecer o cantinho, muito acolhedor, de um dos personagens mais fascinantes que encontrei na vida.

Severino, o ribeirinho serigueiro, tem olhos profundamente azuis, como jamais vi o céu de Manaus. Olhos tão chamativos e sinceros, que é impossível não conversar com a alma de Severino. Ele vive e trabalha no mesmo lugar. Com o restaurante sempre à espera de turistas dos caríssimos hotéis de selva, o seringueiro passa o dia com a mulher e a filha.

Pés descalços. Pele em contato com a vida amazônica que pulsa na terra. Uma grande alegria em reencontrar os amigos fardados. Os Guerreiros de Selva são muito bem quistos por Severino, que logo traz a Coca-Cola. Só que o refrigerante vai parar é na goela de alguém que, de visitante, não tem nada.
O macaco bebe tudo e não deixa ninguém chegar perto. Logo comentam... “você deveria vender esta foto para a Coca-Cola”. A dúvida que paira no ar é sobre quantos processos milionários a empresa sofreria das organizações de proteção dos animais se a imagem realmente fosse usada. Pitoresca ou não, ela faz parte desta história, onde tudo chama a atenção.

Satisfeito, o bicho segue a vida, sobe nas estruturas de madeira e desaparece na mata. A mesma que Severino adentra rapidamente. Com andar meio manco, ele sobe os degraus improvisados, numa velocidade impressionante. Acompanhar não é fácil, só a imensa curiosidade para garantir o fôlego.

Severino logo acende o defumador. Com o fogareiro na cabeça tira as lascas da árvore para obter o látex. Numa demonstração típica de tv, ele expõe o passo-a-passo do trabalho no seringal. O homem da borracha nunca passou por um curso de marketing, mas poderia dar aula em qualquer faculdade. Ele é simples, carismático e objetivo. Severino é fascinante e extremamente explorado.

Os Senhores do Norte compram a borracha e não pagam em dinheiro. Eles trocam por grãos, mantimentos, coisas que os seringueiros não conseguem vender, assim se tornam dependentes. E não há balança que faça, da troca, algo ao menos um pouco justo. O peso depende da vontade do “comprador”. O seringueiro pode até defumar uma tonelada de borracha, mas se o "senhor" disser que tem oitocentos quilos, é isso que vai “pagar”. E não tem choro.

Severino se salva com o turismo. O pessoal assiste a demonstração e uma vez ou outra encomenda uma bola, dá uma “caixinha”. Enquanto ele entretém especialmente os japoneses no meio da mata, a mulher frita os peixes, pescados naqueles lugares onde ninguém vai sair sem posar para foto como se fora, de fato, um grande pescador. Tudo, claro, armado pelos hotéis para deixar o hóspede feliz. E para aumentar a renda... Coca-Cola no povo! Se o macaco não beber.

A despedida de Severino tem um “q” tecnológico. Ele e um major trocam telefones ligando para o celular um do outro. A próxima conversa vai ser sobre a vinda do médico do Centro de Instrução de Guerra na Selva. A filha do homem da borracha está com problemas. Ela já foi à cidade algumas vezes, mas não consegue atendimento em hospital público. O médico vai examinar a moça e encaminhá-la para um atendimento adequado em nome do General Heleno, Comandante Militar da Amazônia. Na selva, a única presença do Estado é mesmo militar. E os homens de farda usam a influência para favorecer gente como a gente.

2 comentários:

Fabiano Aliane disse...

Aaaaah se todo brasileiro fosse como Damaris Giuliana! Linda, você sempre me emociona com seus textos, profundos, poéticos, do coração, da alma... Selva!!!

Cap Aliane - Marabá - PA

Comedor de casadas disse...

O trabalho de uma jornalista séria e cativante é este...trazer ao nosso conhecimento fatos e situações que muitos nem imaginam que aconteçam. Você está de parabéns...vai a lugares e situações que muitos jamais se arriscariam e notamos que não é por obrigação e sim por puro prazer. Desde que te conheci virei seu fã de carteirinha.

SO Marques - FORÇA AÉREA BRASILEIRA